Até quem torce o nariz pra dublagem concorda que os desenhos animados são mais divertidos dublados e procura assisti-los no cinema desta forma, em português, especialmente se forem produções da Disney.
Desde “Branca de Neve e os Sete Anões” primeira produção do estúdio dublada no país, a nossa dublagem ganhou o mundo e virou sinônimo de qualidade graças às animações criadas pelos estúdios de Walt Disney. Os trabalhos em português tornaram-se acima de tudo obras de arte à parte do valor cultural da animação original, assim como suas belas músicas em português.
Mas infelizmente o tempo passou e a qualidade não se manteve. Claro que ainda existem trabalhos fantásticos como “Os Incríveis”, mas muita coisa que marcou os trabalhos da Disney se perdeu com o tempo. Desde traduções e adaptações de nomes de personagens até mesmo músicas mantidas em seu original em inglês.
O ursinho Puff virou Pooh, Abel virou Coelho e até a querida Sininho virou Tinker Bell. Perdemos a brasilidade que tanto marcou os trabalhos da Disney no Brasil até mesmo no nome de algumas produções como “Atlatis” em vez de “Atlântida”, o nome em bom português da cidade perdida. Fãs apontam como causa de tamanhos sacrilégios uma padronização de nomes para facilitar licenciamento e venda de produtos, o mesmo que fez o Super-Homem virar Superman nos quadrinhos.
As trilhas sonoras em inglês também seriam uma forma de economia de tradução e uma forma de facilitar a venda dos CDs originais. E até mesmo troca constante de dubladores nas produções da Buena Vista (“Lost” e “Desperate Housewives”) foram feitas. Um sacrilégio comparado à maneira como os desenhos e filmes do estúdio eram tratados nos anos 70 e 80.
Mas à parte de tudo isto uma coisa não mudou. O talento dos dubladores. Os profissionais por trás dos personagens continuam impecáveis, fazendo trabalhos maravilhosos e esbanjando qualidade.
Por conta de tudo isto conversamos com dois profissionais da nova geração Marcelo Garcia (o Relâmpago de “Carros”) e Maíra Góis (a Dori de “Procurando Nemo”). Em comum, além do fato de ambos dublarem desenhos da Disney, está o fato de ser um casal que mora e trabalha no Rio de Janeiro. Confira a seguir esta entrevista inédita e exclusiva com o melhor da Disney no Brasil.
Marcelo Garcia – Nosso querido carrinho vermelho
[DAVID] Você fez dois personagens de animações da Disney, o Buck (“Nem que a Vaca Tussa”) e Relâmpago de “Carros”. Como foi dublar animações do estúdio? Ocorreram testes? Como foi criar estes personagens?
[MARCELO] Sim ocorreram testes pra ambos, como de praxe. A criação do personagem, pra mim, é feita de muita observação da criação original. Às vezes eu procuro seguir a mesma linha, mas na maioria adapto para o nosso jeito brasileiro de ser. É tudo muito instintivo no meu caso. No Buck e no Relânpago, tive todo o caminho para essa criação dado pelo diretor (Garcia Jr.), sob a batuta dele, fomos construindo os personagens.
[DAVID] Você fez alguns heróis da DC Comics como Flash em “Liga da Justiça”, Homem- Elástico (“Super-Choque”) e Krypto o Super cão. Além de personagens da Marvel como Duncan de “X-men Evolution” e Senhor Fantástico de “O Quarteto Fantástico”. Você já gostava de quadrinhos? Quais os seus favoritos? Como foi fazer estes heróis?
[MARCELO] Na verdade nunca fui ligado a quadrinhos. Eu gosto de todos os personagens, sou fã de ação. Cada um deles tem características bem diferentes e é disso que eu gosto mais, de trabalhar a minha versatilidade. Tenho carinho por todos e fico orgulhoso por poder representá-los.
[DAVID] Você também foi o Hunter de “Power Rangers: Tempestade Ninja”. Imagina que esta série faria tanto sucesso e venderia tantos produtos ou existia um certo preconceito dos dubladores com ela por ser “um bando de heróis coloridos”?
[MARCELO] Sem preconceito, “Power Rangers” não me diz muita coisa. É mais um trabalho, que eu procuro fazer com toda dedicação possível.
[DAVID] E Mohinder em “Heroes”, como surgiu? Como tem sido dublar o personagem? Tem acompanhado a nova fase dele em que ele vira um “vilão”? Está pronto pra esta mudança do ex-herói?
[MARCELO] Heroes foi uma série que me surpreendeu muito, mas só depois quando assisti em casa com a Maíra. Pegamos o Box e não conseguíamos parar de assistir. Quando a gente dubla o filme, só vê a nossa parte e às vezes fica difícil entender o trabalho como um todo. Eu tô sabendo agora dessa mudança do Mohinder, achei legal, um vilão é sempre legal de fazer.
[DAVID] E sobre seriados? Gosta de dublá-los? Poderia falar um pouco sobre alguns dos seus muitos trabalhos como Chuck (“Chuck”), Jess (“Gilmore Girls”), Whitney (“Smallville”), Michael Tribbiani (“Joey”), Marvin “Mouth” (“One Three Hill”) e Dirk Black (“Elas e Eu”).
[MARCELO] O bom de fazer seriados é a continuidade, temos mais tempo para absorver as características dos personagens. Mais uma vez a diversidade deles é a coisa mais interessante. O Chuck foi um belo presente que eu ganhei, a série é ótima, com ele eu tenho que forçar a minha criatividade e a minha atenção ao máximo, pois ele é muito frenético e tem ao mesmo tempo a ingenuidade de uma criança. Dirk também é frenético, porém malicioso. Os outros eram bons meninos.
[DAVID] E sobre os animês, você já conhecia os desenhos animados japoneses e o número de fãs que eles tem quando dublou o Cyborg 001 em “Cyborg 009”? O que achou da experiência e dos fãs?
[MARCELO] Não conhecia e também não tenho muita noção disso.
[DAVID] E quando aos desenhos, prefere dublar eles ou as séries? Você lembra de todos os personagens que fez como: Batatão (“Aqua Teen”), Número 2 (“A Turma do Bairro”), Bernie (“O Espanta Tubarões”), Jack Spicer (“Duelo Shaolin”) e o Valiant.
[MARCELO] Eu acho que a maioria dos dubladores prefere os desenhos. Neles nós podemos criar e brincar mais, porque a caracterização é maior. Eu lembro de todos com muito carinho e até procuro colecionar os meus trabalhos em DVD.
[DAVID] E quanto às novelas mexicanas? Rola um certo preconceito com elas? Como foi dublar o Tomás Moura em “A Feia Mais Bela” e o Bruno de “A Madrasta”?
[MARCELO] Algumas novelas mexicanas são quase como um desenho animado, por conta da caracterização dos personagens. Quando é assim é legal, quando não, é canastrice demais e nós não temos como fugir disso. As argentinas e venezuelanas são mais parecidas com as nossas no Brasil, com um estilo de interpretação mais natural.
Maíra Góis – Nossa amada peixinha sem memória
[DAVID] Como foi dublar a Dori de “Procurando Nemo”? Teve testes? Foi convidada?
[MAÍRA] A Dory foi o trabalho que mais gostei de fazer. Um ano antes do longa ser lançado, gravei um curta com a Dory e o Marlin que entrou no DVD do Monstros S.A. Quando assisti fiquei apaixonada e torci muito pra gravar o longa também. No ano seguinte veio o teste e dei o melhor de mim. O teste foi pra Los Angeles pra ser escolhido. Pra minha felicidade ganhei o papel.
[DAVID] E você gostou dela logo de cara? O que mais gostou nela?
[MAÍRA] O que mais gostei na Dory foi da mensagem de otimismo que ela passa. Sem contar o bom humor, o astral sempre lá em cima, mesmo diante de dificuldades.
[DAVID]E porque ela fez tanto sucesso com o público? A que você atribui isto?
[MAÍRA] Acho que as pessoas se sentem inspiradas quando vêem otimismo e bom humor juntos. Nem sempre, diante de dificuldades, é possível se manter firme sem esmorecer e ainda conseguir seguir adiante. A Dory fez tudo isso e colheu bons frutos no final. Alcançou o objetivo, que nem era dela, era do Marlin. Mais uma lição, o altruísmo.
[DAVID]Você já gostava de desenhos da Disney? Qual seu favorito? Que personagem gostaria de dublar?
[MAÍRA] Eu sempre gostei dos desenhos da Disney. Especialmente os que foram adaptados pelo Garcia Jr. A versão brasileira dele é perfeita. Ele consegue trazer pra nossa realidade cada situação de maneira brilhante. O meu favorito é “Procurando Nemo”, e vejam só: Eu dublei a Dory! Que privilégio, né?
[DAVID] E do seu trabalho com séries, o que podemos falar? Foram muitas né? A Morgan em “Sabrina Aprendiz de feiticeira”, Sasha Munroe em “Parceiros da Vida”, Farral em “Qi da Loira” (“Twins”), Gina em “Estética” (“Nip/Tuck”) e Sarah em “Chuck”. Quais você mais gostou? O que destacaria nestes trabalhos?
[MAÍRA] Neste momento eu estou apaixonada pela Sarah, de “Chuck”. Principalmente porque quem dubla o “Chuck” é o Marcelo Garcia, meu marido. Adoro quando contracenamos. Isso acontece com certa freqüência e essa série é um dos últimos exemplos disso.Gosto de cada uma delas. “Nip Tuck” é uma das minhas séries preferidas. A Faral, de “Twins”, é ótima porque é meio burrinha, então me divirto muito. A série é dirigida pelo Mário Jorge que é super divertido e um profissional maravilhoso. A Monroe, de “Parceiros da vida” foi um caso interessante. Era 2002, eu já dublava desde 1999, mas o diretor Mário Monjardim ainda não conhecia o meu trabalho. Cheguei na Delart e pedi pra ele fazer um teste comigo. Ele gostou muito e disse: “Menininha, onde você estava esse tempo todo?”(risos). Na semana seguinte ele me deu a Monroe.
[DAVID] E o que é mais complicado, dublar um desenho ou um seriado?
[MAÍRA] Não tem uma regra. O desenho é mais divertido, na minha opinião. Mas o grau de dificuldade varia.
[DAVID] Sobre a série mais famosa que dublou, ou seja, “Heroes”… Como foi a experiência? Ocorreram testes para a série? Você já a conhecia?
[MAÍRA] Não teve teste, foi convite. Eu não conhecia a série. E só tinha visto as parte que dublei, até comprar o box. Me apaixonei. Acho que é a melhor série que já vi. Pena que a minha personagem morreu (Simone Deveaux). Mas quem sabe ela volta? É tudo tão louco nesse roteiro!
[DAVID] Você dublou uma atriz muito conhecida e querida, a Keira knightley em dois papéis super importantes em “Piratas do Caribe” e “Rei Arthur”. Você se sente um pouco na pele dela?
[MAÍRA] Amo dublar a Keira Knightley. Além de “Piratas” e “Rei Arthur” também dublei “Desejo e Reparação” e recentemente “A Duquesa” que ainda não foi lançado. É bacana colocar minha voz em tanta aventura.
Texto originalmente escrito para a revista Crash (Editora Escala), foto cedida pelos entrevistados.