Quando comecei a assistir “Flordelis – Questiona ou Adora” na Globoplay eu pouco sabia sobre a história da cantora. De cara não entendi o título, estranhei “Questiona ou Adora”. Soube no penúltimo episódio que era uma frase que ela falava e depois, graças ao Google, descobri que era o título de uma música dela. Esta é só uma prova de como a obra funciona melhor para iniciados, um erro, pois todo filme ou série deve se sustentar em si mesmo.

As primeiras vezes que eu vi Flordelis foram em programas da Rede Globo, então é perfeito ver um documentário sobre a queda da pastora justamente na Globoplay. Minha impressão sobre ela não foi boa logo de cara. “Mais Você”, “Amor e Sexo” e tantas outras atrações contavam com a família da ex-deputada contando sua história. O programa de Fernanda Lima pregava a diversidade de famílias, enquanto isso Flordelis e Anderson aproveitaram a oportunidade para destacar que a família deles era “tradicional”, mesmo com tantos “filhos”.

Um dos assuntos pouco destacados no documentário é o fato de Anderson – o pastor assassinado – ter sido um dos “filhos” de Flordelis antes de ser seu marido. Como ficou famoso na internet ele foi “filho”, marido e genro, por ter namorado uma das “filhas” da pastora-cantora. Isso passa batido, assim o fato de que seriam 56 “filhos” e não 55, afinal o pastor Anderson era uma das crianças originalmente acolhidas.

O que fica claro com o documentário, mas novamente é algo raso no aprofundamento, é que era uma grande mentira os 55 (ou 56) “filhos”. Muitos eram na prática crianças abrigadas na casa de Flordelis e não “filhos” da ex-deputada. Por isso uso a palavra “filhos” entre aspas. Pelo que deu para entender ela tinha três (ou quatro?) filhos biológicos e mais alguns poucos filhos que foram legalmente adotados. Pela lei os filhos de uma pessoa são os que estão registrados em nome dela, seja pelo vinculo biológico ou pela adoção, poucos foram legalmente adotados e possuem esta ligação legal, a maioria era “filho afetivo”, ou seja, ela tinha um grande abrigo de jovens.

Este ponto poderia e deveria ser mais abordado. Flordelis passaria nas longas e exigentes entrevistas de um processo de adoção? Qual o motivo da justiça tolerar ela ter tantas crianças sem o devido amparo legal de mãe adotiva? Por que estas crianças não iam para o sistema de adoção para ter pais de forma oficial, pais estes que passaram pelo rigoroso processo de adoção na justiça e estão esperando em uma fila? Explico: a maioria dos “filhos afetivos” chegaram na casa dela crianças e sem aparente problema grave de saúde. Jovens com estas características não costumam ficar muito tempo na fila de adoção e conseguem um lar em um tempo mais curto do que adolescentes com 12 anos ou mais.

Positivamente tem alguns momentos bons no documentário. A parte em que o livro lançado sobre Flordelis é lido por algumas pessoas que estiveram na vida da pastora é impagável. Excelente assistir todos incrédulos com o que tinha sido escrito, deixando claro que era tudo uma grande farsa. Espetacular ainda o destaque para a estreita e complicada relação entre política e religião a partir do momento em que um “filho” é eleito vereador e a própria Flordelis é eleita deputada federal. Mas poderia ir além. Uma oportunidade perdida.