O aumento da participação do Grupo Chespirito no Brasil é evidente, até mesmo pelo estande que eles tiveram na CCXP 2025. Em paralelo, notícias circularam de que eles iniciaram uma fiscalização em produtos piratas com as marcas Chaves e Chapolin, inclusive com apoio de grupos de fãs denunciando pessoas que supostamente ferem direitos autorais comercializando itens não autorizados. No entanto, muitos itens genéricos são bem melhores do que os originais.

Falando sobre livros, nós tivemos nos últimos anos dois itens oficiais importantes: “O Diário de Chaves” e “Sem Querer Querendo”, a biografia do Chespirito. De obras não oficiais, pelo menos uma ganhou um lançamento de luxo: “Seu Madruga, Vida e Obra”, que não foi autorizado pelo grupo Chespirito ou pela família do “homenageado” Ramón Valdés. “Seu Madruga” teve capa dura e revisão do Fórum Chaves, que é parceiro do Grupo Chespirito. Mas neste texto falarei de três obras mais desconhecidas, disponíveis apenas como e-books. Sim, eu gastei dinheiro comprando estes textos para você ser poupado de uma surpresa.

1 – “Chapolin Ano Um”

Para quem leu o clássico “Batman Ano Um”, fica o aviso: não se engane pelo título, a ideia é boa, mas está bem longe em termos de qualidade. Vendido no Kindle (Amazon) por R$ 4,99 o livro é uma tentativa de contar a origem do Chapolin Colorido, unindo-a a personagens como Dr. Chapatin (erroneamente grafado também como Chapatim em uma parte), Tripa Seca e Professor Baratinha. Tem pontos positivos, como a citação aos “Super Gênios da Mesa Quadrada”, que seria uma ordem de cientistas brilhantes na ficção, que na vida real foi o primeiro grande sucesso de Chespirito. A primeira parte da história (em um bar) segue fluída, mas depois a história se perde.

Na introdução, o autor, Flavio Falconi, diz que é uma homenagem a Roberto Gomes Bolaños e se desculpa por não ter a mesma qualidade de escrita, mas faz referências, repetindo várias piadas das séries “Chaves” e “Chapolin”. Outros livros do autor são “Capitão Alzheimer”, sobre um velho investigador da Polícia Federal, e “O Retiro das Pragas”, que trata do folclore brasileiro.

2 – “Chaves e os Princípios Bíblicos, uma Jornada de Reflexão!”

O autor Tiago Sergio Del Conte explica que busca conectar os ensinamentos da Bíblia com as situações e personagens do seriado “Chaves”, oferecendo uma perspectiva nova para lições sobre amor, perdão, fé e honestidade, usando as aventuras do Chaves para ilustrar conceitos espirituais e bíblicos; não é a primeira vez que ele faz algo assim, ele também escreveu “Super Mario Bros, a Jornada da Fé”. Ele também lançou “O Padrão de Deus para a Família” e “A Jornada da Fé, a Descoberta de um Adolescente”.

Falando do livro do Chaves do 8, ele é vendido por R$ 22,49 na loja Google Play, um valor alto pelo que o livro oferece; a digração dificulta a leitura, mas mesmo assim eu tentei terminar a obra. Basicamente não faz diferença os personagens serem Quico e Chaves, podiam ser Cascão e Cebolinha e a mensagem seria a mesma, pouco se detalha a obra do Chespirito e a protagonista do livro é mesmo a Bíblia.

No primeiro capítulo, o tema é a amizade e o destaque é justamente para Quico e Chaves, comparando os meninos com os personagens bíblicos Jônatas e Davi, “que demonstram um amor fraterno e uma devoção incomparáveis um pelo outro” [sic]. Coincidentemente eu tinha acabado de ler uma obra que teoriza que o amor de Jônatas e Davi era mais do que uma simples amizade, que eles eram amantes, de tão forte que era o afeto de ambos. Mas, considerando que era apenas amizade, mesmo assim eu não vejo em Quico e Chaves este vínculo tão forte de devoção que justifique tamanha comparação. Talvez Chaves e Nhonho fariam um comparativo melhor; se o autor conhecesse bem o seriado que pretendeu homenagear, seria um caminho melhor para sua ideia. Um detalhe final: que capa feia.

3 – “O Riso é um Triunfo do Cérebro – Comédia, Filosofia e Literatura em Chaves e Chapolin”

Sendo bem direto: é o melhor livro dos três. A obra de Wilson Filho Ribeiro de Almeida é uma obra bem escrita e com boas fontes; direto ele faz adendos importantes e corretos usando referências como a conhecida “Lista CH”. Existe um motivo para algo tão bem revisado: é uma versão da tese de doutorado do autor, defendida na Universidade Federal de Uberlândia, e ganha pontos por referenciar em uma tese acadêmica o texto de Bolaños, tratando-o como aspecto literário e reafirmando seu valor artístico para registro universitário. No entanto, até pelo teor sério da obra, o autor deixa passar seu lado fã ao citar os críticos da série ao escrever “uma certa Sylvia Colombo” ou “um tal Flávio Ricco” [sic], criando um juízo de valor contra quem não gosta de Chaves.

O maior problema da obra é quando entra na parte da filosofia em Chaves e Chapolin. O filósofo mais citado aparentemente foi Olavo de Carvalho; percebi pelo menos 20 citações de diferentes momentos e livros do falecido pensador brasileiro. Olavo é citado para explicar a dialética do “pensamento dialogal”, comentar a filosofia de Aristóteles e até debater credibilidade. Para quem lê, a impressão que passa é Olavo de Carvalho é importante para o autor do livro e uma referência em seus estudos, mas creio que Chespirito merecia um filósofo melhor para estudar sua obra. Não consigo visualizar vivências em comum que justifiquem um vínculo — nem que do ponto de vista filosófico — entre Chespirito e Olavo; é como comparar Chaves com o Davi da Bíblia, no mínimo um erro.

Este livro digital custa R$ 19,90 no Kindle. Outra obra do autor no aplicativo é “Continua no próximo episódio…: Um rodapé sobre o folhetim”, que novamente cita a obra de Chespirito em seu resumo: “O que haveria em comum entre as histórias de Sherlock Holmes e do Dr. House? Ou de Chaves e Chapolin? Quais temas e recursos literários obras como One Piece e Jornada nas Estrelas, bem como as novelas brasileiras e séries sul-coreanas, herdaram de escritores como Charles Dickens e Teixeira e Sousa? Qual a diferença entre folhetim e romance-folhetim? E entre novela, série e seriado? Para saber essas e outras, não perca os cinco capítulos de Continua No Próximo Episódio…”.