Em setembro de 2000 uma matéria Folha de São Paulo destacava os programas religiosos na TV brasileira. Com o título “TV se transforma em templo eletrônico” o jornal destacava, dentre outras, a Igreja Universal do Reino de Deus, comandada pelo bispo Edir Macedo, que já ocupava boa parte das madrugadas e manhãs da programação da Rede Record e da Rede Mulher (atual sinal da Record News), das quais é a proprietária. Na época, a programação religiosa chegava a ir até às 09h da manhã, hoje acaba por volta das 05h de segunda a sexta.

“Mas, ao contrário do que muita gente imagina, a programação religiosa é totalmente independente da emissora. Boa parte dos programas é feita em estúdios localizados fora da Record. Todo o conteúdo é decidido pelos bispos da igreja. Apenas repassamos as fitas para a Record transmitir”, explicava na matéria o pastor Denir Vieira, responsável pela produção de programas como “Ponto de Fé”, “Despertar da Fé” e “Palavra de Vida”, que vão ao ar diariamente na Record.

Uma iniciativa do pastor Denir era fugir do tradicional “teleculto”. Uma novidade eram dramatizações de testemunhos de fiéis. Buscando mais qualidade passaram a reprisar minisséries evangélicas já exibidas no horário nobre da Record, entre 1997 e 1998. “O Desafio de Elias” e “A História de Ester” eram inspiradas em livros bíblicos e produzidos pela produtora JPO. Mas as histórias de conversões, milagres e com o “inimigo” sendo derrotado também voltaram ao ar com as séries da VTV Produções: “Uma Janela para o Céu”, “Velas de Sangue”, “A Sétima Bala” e “Do Fundo do Coração”.

Para não ficar apenas em reprises, o pastor Denir teve planos mais ousados e lançou três “novelas inéditas” no horário das 06h30 da manhã; sim, usavam a expressão “novelas” para anunciá-las. Assim, entre o fim do ano 2000 e começo de 2001, a produtora Mundial Produções Artísticas começou a gravar as histórias novas. Os produtores executivos foram Sergio Luiz Drodowsky e Gleici Jane Drodowsky. Sérgio foi por anos a consagrada voz da emissora, um popular locutor.

Das três produções religiosas, que na prática eram minisséries com cerca de 20 capítulos, duas estão completamente perdidas e existem poucas informações disponíveis. A primeira delas era “De Volta Para a Vida”, escrita pelo ator João Gonçalves. A segunda foi “Nas Ondas da Vida”, criada e escrita por Alynthor Magalhães Júnior, famoso roteirista de “A Praça É Nossa”, que anos depois faria roteiros de especiais de dramaturgia do SBT, como os episódios brasileiros de “Chaves” e outros humorísticos, como “Pousada do Ratinho”, “SBT Palace Hotel”, “Romeu e Julieta – com Hebe e Golias”, “Mansão Bem-Assombrada” e “Batman e Robin, uma dupla quase dinâmica – com Alexandre Frota”.

O casal protagonista de Felicidade Existe.

A terceira, “Felicidade Existe”, é a única que está quase completa disponível no YouTube. Dos 20 capítulos apenas dois estão perdidos, o 7 e o 20 – o último. A trama foi criada e escrita pelo ator Carlos Falat, conhecido por seu trabalho no teatro (inclusive com o grupo Os Satyros) e também na dublagem, em que fez personagens marcantes, como Skeeter (“Doug”), Phillip (“Os Anjinhos”), Arthur (“Babar”), Bob (“O Fantástico Mundo de Bob”) e Paul (“Anos Incríveis”). A direção ficou a cargo de Arlindo Pereira que tinha comandado as novelas “Pé de Vento” e “Cara a Cara”, ambas na Band, e vinha dirigindo o programa “Agente G” na Record. Como assistente de direção estava o ator Tadeu Menezes, que atuou em muitas novelas do SBT como “Pérola Negra”, “Fascinação” e “Amor e Ódio”.

A história da minissérie girava em torno do pastor e ex-deputado João Batista Ramos da Silva (Gilson Ajala) e de sua esposa Marilene (Eloísa Cichowicks). Ambos enfrentam muitos problemas e tribulações ao longo dos 18 primeiros episódios, com muitas “tentações mundanas” como uma amante para João Batista vivida por Sonia Ferreira. A solução vem nos dois capítulos finais, quando eles conhecem a Igreja Universal do Reino de Deus e são convertidos. Em paralelo a isso mais “pecado” nas tramas paralelas, com temas polêmicos como o alcoolismo de Debora (Nana Pequini). Os atores da obra eram quase todos oriundos do teatro e da dublagem paulista. Eloísa já tinha feito antes outra minissérie religiosa da Rede Record, “O Direito de Vencer”. Gilson também já tinha atuado na Record em “Por Amor e Ódio” e faria trabalhos em dublagem, como na série “24 Horas”, em foi a voz de três personagens: Dr. Levinson (Paul McGillion); Stephen (Paul Wesley) e Hamid Al-Zarian (Rafi Gavron).

Cena do penúltimo capítulo, a cura na Igreja Universal

Completam o elenco: Sônia Ferreira, Marcelo Franzolin, Maria Viana, Salete Fracaroli, Osvaldo Gonçalves, Itala Morahddei, Nana Pequini, Marvin de Souza, Edna Falchetti, Carlos Godoy, Domingos Charik, Carlos Aguiar, Vivian Goldmann, Charles Daves, Clovis Gonçalves, Chico Neto, Gabriela Lóis, Djalma Lima, Antônio Neto, Nany de Lima, Carlos Falat, Edison Socio, Lene Bastos e Roberta Malta.

Os fãs de dublagem devem reconhecer nomes como Sonia Ferreira, voz brasileira de atrizes mexicanas como Ninón Sevilla (“Maria do Bairro” e “A Usurpadora”) e Beatriz Moreno (“Rosa Selvagem” e “O Privilégio de Amar”); e Lene Bastos, a dubladora da Cleo de Nile em “Monster High” e de diversos outros desenhos animados.

Em paralelo o elenco gravava novelas de rádio para a Rede Aleluia de Rádio. Carlos Falat escreveu duas radionovelas naquele ano: “O Passaporte para a Vitória” e “Rumo Certo”, em que contava a história dos ouvintes e como a Igreja Universal do Reino de Deus mudava a vida delas.

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